Afinal, o que seria o amor? Esse sentimento abstrato, intrometido, atrevido, inexplicável e indefinível mas que todos conhecem, sentem e querem classificá-lo como sentimento e chamá-lo de amor?
Saindo da teoria para a prática, me respondam se o amor acaba? O amor existe? O amor é físico? O amor é psicológico? O amor é tudo? O amor é nada? Até onde o amor pode ir? Até onde vai o SEU amor?
Creio que o amor seja uma batalha diária. Uma luta contra você mesmo, contra o outro e os outros. Lutar para não cair na rotina, para não desgastar, para não perder o lugar, para apesar dos pesares manter sua privacidade e deixar que o outro também a mantenha. Uma luta constante contra a tentação.
A medalha só se recebe no fim. E por mais que a batalha acabe, a sua medalha acompanhada do mérito está com você e isso ninguém pode mudar. A medalha não está só na matéria, aliás, não é nela em que ela realmente se encontra, mas na mente e no coração. A sua medalha pode quebrar, sumir, roubá-la e enferrujar mas o que ela carrega e está guardado na sua memória ninguém é capaz de tirar. E é duvidoso até que você mesmo a tire.
Essa aventura de ser a outra e ficar com ele escondido durou aproximadamente 2 meses.
Ele não agradava muito minha mãe. Ela gostava muito dele, o problema não era questão de afinidade, mas ela achava que nós não combinávamos. E foi um sufoco para conseguirmos a aceitação de nosso namoro. Creio que ela tinha receio de me ver deprimida por amor novamente. Coisa que aconteceu, mas isso não vem ao caso nesse momento.
Foi a primeira vez que ele pediu uma garota em namoro para os pais. E foi a primeira vez que um garoto me pedia em namoro para meus pais.
Sentados no sofá, ele começou a falar, nós estávamos de mãos dadas, minha mãe com um sentimento estranho deixando transparecer em sua face e acho que eu tremia mais que ele devido a isso. Coisas de adolescentes bobos. Mas não nego que posteriormente foi engraçado sentir toda aquela tensão por algo tão natural.
O bom de estar apaixonado é que todas as nossas forças redobram, mas nossos medos também. Ao mesmo tempo que estamos completamente seguros e auto-suficientes, estamos inseguros, frágeis e subestimados.
No começo tudo é lindo. Vemos flores onde só há terra, vemos borboletas coloridas voando no centro de São Paulo, vemos no outro qualidades inexistentes e ignoramos os defeitos. Qualquer demonstração de carinho arranca um suspiro, qualquer palavra ilude, qualquer sorriso momentâneo alegra a semana inteira.
E é nesse começo perfeito que criamos um vínculo poderoso com a pessoa pelo qual decidimos passar o resto da vida juntos. Um vínculo tão forte, mas que une por um fio tão delicado.
O R era puro mistério, pura inteligência, pura simpatia. E isso se mostrava maior a cada dia. Ele era encantador. Beleza física nunca teve extrema importância para mim. Mas a interior sim, e isso ele tinha de sobra.
Voltando à sala, ao pedido de namoro e o pontapé inicial. Minha mãe deixou nítido em seus olhos o desgosto pelo namoro, mas aceitou, obviamente, e nos deu vários conselhos, mas a única regra citada foi: Respeite minha filha e o resto estará tudo bem.
Após, saímos e ficamos conversando no portão de casa um pouco, não demoramos pois já era tarde. Eu estava explodindo de alegria, fiquei livre de restrições, poderia abraçá-lo e beijá-lo na rua, andar de mãos dadas com ele e gritar para o mundo que tinha como namorado o único cara que eu amei de verdade até então.
Naquela noite eu dormi como um anjo.
Não fazia nem idéia se aquilo foi apenas um beijo, ou se teria alguma continuidade. Mas queria pagar para ver. Queria muito. Demorei alguns dias para aparecer na escola dele, para entrar no msn, para dar sinal de vida.
Certo dia cheguei do nada no Fliperama, segunda casa dele, e o vi dançando PUMP. Ao cumprimentá-lo fui recebida com frieza. Motivo? N. A namorada dele, que nunca chegou a ser ex. Ao perceber senti vontade de desaparecer. Para o espanto dele, ela, nada íntima minha, me tratou como se fôssemos amigas de infância. Me chamou para comprar pipoca doce no mercado e eu fui, para tentar tirar alguma informação sobre os dois, é claro, sem deixar que minha intenção transparecesse.
Quando ele nos viu voltando, rindo e tagarelando, fez uma cara de assustado que até hoje, não presenciei novamente. A mãe dela estava chegando para buscá-la e ele pediu para que eu esperasse. Se despediram com um selinho, na minha frente. Após, me mandou um tchauzinho com a mão direita e entrou no carro. Ingênua, nem imaginava que eu estava destruindo o seu tão adorado namoro. Não que fosse algo proposital, pois até então aos meus olhos ele era solteiro. Mas que ja havia acontecido e eu não voltaria atrás.
Dependendo do que se trata, nunca volto atrás. É como um jogo de xadrez. O jogador que não prossegue com sua jogada e para escapar a desfaz, é julgado de maneira negativa pelo adversário e platéia. Não desejo ser vista assim, portanto, não faço por onde terem motivos.
Ele me levou até perto de casa nesse dia. Me deu mil e uma explicações. Não acreditei em nenhuma, mas também não disse isso á ele, disse apenas que o esperaria, já que ele pensava em terminar seu namoro.
Mais tarde, no msn, decidimos faltar na aula e passarmos a manhã juntos para conversar e nos conhecermos decentemente, fora da saída da escola, da Pump e do msn. Ele se atrasou, sem exageros, quase 2 horas. A tonta, perdendo aula, com sono, toda arrumadinha, esperou, com o fone no último volume ouvindo Fresno e o olhar perdido pelos cantos, inquieto.
Sentada no coreto, com a mochila vázia, o celular na mão esperando alguma ligação ou mensagem. E nada. O arrependimento tomando conta da consciência. Decidindo ir embora, para qualquer lugar fora dali, ele chega, com uma touquinha kawaii, de orelhas com fundo rosa. Sinto falta daquela touca. Levanto os olhos, ele se desculpa, senta, e eu desligo a música. Silêncio no meio de tanto assunto querendo explodir. Se ouve os garis varrendo as folhas do chão, as lojas abrindo, os passarinhos cantando, o vento soprando forte, conversas passageiras por pessoas indo trabalhar, mas nem sinal da voz um do outro. Eu decido falar. Puxo a conversa, ignorando o atraso e sua falta de manifestação. Não demorou muito para outro beijo, para minhas mãos suarem, o tremor nas pernas impedindo qualquer movimentação, o frio na barriga, a mente se desapegando de qualquer pensamento, os olhos fechados e a mão dele acariciando meu rosto como se fosse uma pena... suave, com um toque carinhoso. Não sei quanto tempo durou, mas o tempo não passava mesmo com o relógio correndo sem dó daquele casal. Nos afastamos, abri os olhos devagarinho. Era como se eu tivesse acordado, só que da realidade. Entrei num sonho. O beijo dele me levava para este mundo desconhecido, cheio de mágica. Era como se ele pegasse na minha mão e dissesse: Vem! E eu fosse, despreocupada, sorrindo, encontrando ao decorrer do caminho coisas novas.
Cada detalhe dele, cada gesto, cada coisinha, me atraía. E era tão forte que em pouco tempo me vi completamente apaixonada. Hoje em dia não sei explicar de fato o que me fez amá-lo tanto. Mas naquela época tudo era motivo para eu me apegar.
É engraçado tentar compreender as pessoas.
Meu 1º beijo foi no quintal da minha casa, nada planejado. Nem esperado. Ele era melhor amigo do meu irmão. Entendam ele como R. Nunca me imaginei gostando dele. Mas, minha mãe sim rs. E de tanto que ele falava que eu gostava, acabei gostando de verdade. E gostando muito. Chamam isso popularmente de 1º amor. Eu, chamo de 1ª burrice. Até ai tudo bem. Piorou quando ele descobriu, érm, digamos, percebeu, que eu 'amava' ele. Ele começou a investir. E eu tinha medo de com um beijo, me apaixonar mais. Evitava. E também tinha medo de beijar. Nuca tinha feito isso, para mim, era um bicho de 7 cabeças. Mas chega uma hora que o corpo não responde e você começa a cair no jogo do outro. E não resiste. E beija. E se apaixona de fato, mais. E se olha no espelho e ri, e tenta procurar algo que explique o porque dele ter te escolhido para fazer aquilo (como se para os homens fosse grande coisa...). Mas ele namorava. E a menina era muito bacana. Eu sentia meu coração bater muito forte, e eu sorria mesmo sem vontade, mas ao mesmo tempo ficava chateada por ela. E não queria que fosse daquela maneira. Eu queria ele por completo, não metade. Mas caiu a ficha uma hora que nem a metade eu tinha.
E depois de quase 2 anos ficando escondido com ele, minha mãe descobriu e veio conversar comigo. Por mais que ela sempre tivesse vontade de nos ver juntos, ela sabia do namoro dele e não concordaria. E eu neguei, pois fiz uma promessa de manter segredo para o R. Mas também não queria perder a confiança da minha mãe. Fiquei entre a cruz e a espada. E ao decorrer da conversa acabei contando. Depois de vários conselhos, eu refleti e os segui. E coloquei um ponto final. Era mais do que claro que ele não me escolheria, portanto nem toquei em assunto de escolha. Sofri. Chorei. Ele voltou, tentou fazer com que eu mudasse de ideia, mas a Adriana, por pensar demais em tudo, sempre faz a escolha certa. E aquela não iria deixar de ser. Foi difícil, mas sempre disse NÃO. Ele cansou, e sumiu da minha casa. Estranharam, pois meu irmão continuava lá, e por que ele parou de visitá-lo todo domingo?! Depois dele, não queria saber de garoto nenhum. Típica frase de adolescentes com orgulho ferido: Nunca mais vou ficar com ninguém; Não quero saber de namorar; Ninguém nesse mundo presta, só eu; Odeios os/as homem/mulheres; entre outras no mesmo nível. Eu as repeti diversas vezes.
Um tempo depois, fui comprar pão no Tanaka, minha mãe gostava do pão de lá. Eu tinha a última aula vaga, chamei a Katiane e aproveitei para ir. Na volta, ouvi Franz Ferdinand. Segui o som e vinha de uma garagem. Quando olhei para ela, tinha um loirinho tocando baixo me olhando rs. E eu olhei e falei pra Katy: Noossa. Ela disse: Vamos lá, vamos lá. E tava subindo a rua correndo, eu gritei: NÃO! VOLTA SUA LOUCA! ELES NEM NOS CONHECEM. E fui embora, qdo ela viu resolveu vir atrás. No caminho fiquei pensando: Ele deve estar nos achando duas idiotas. Que raiva. Espero nunca mais encontrá-lo.
Isso foi numa terça. Na quinta nossa sala foi com a Profª Leandra de matemática arrecadar prenda na rua. Acontece o indesejável. Encontro ele no caminho. O loirinho cujo nome não vou citar, e de nenhum outro cara que passou pela minha vida. Mas o entendam como F. Ele me parou e disse: Você que estava com uma moreninha vendo a gente ensaiar a noite? E eu, com as pernas bambas disse que sim. Ele perguntou por que não fomos lá, eu ri e falei: Até parece, vocês nem nos conhecem. Nada a ver ir lá do nada. Ele segurou no meu queixo e disse: Agora me conhece, vai no nosso ensaio terça. E saiu. Fiquei sem palavras. O Luis Ricardo que estava comigo morreu de ciúmes (até hoje ele morre, até das minhas amigas rsrs). Achando que seria inconveniente, não fui. No dia seguinte encontrei ele na rua e nunca me esqueço, ele disse: Nem foi lá né 'Pipoca'. Vai no meu show domingo no Chaparral. Eu disse que ia, e sai. Minha mãe estava junto e eu contei como o conheci. No dia seguinte deste, ele foi na saída da minha escola, eu estava de uniforme, cabelo enrolado, sem make, enfim, um horror. E mesmo assim, ele chegou em mim e disse: Vim trazer o flyer de domingo. Se você não for é mancada. Eu peguei e reafirmei que iria, quando íamos nos despedir, ele disse: Ah! E vim para outra coisa também. Nisso eu ia perguntar o que e ele me lascou um beijão. Bateu dente porque eu estava desprevenida, eufórica, nossa, foi desastroso. No fim ele disse: Pronto. E foi embora. Ele virou a rua e dei um grito de felicidade. Ah, pra mim aquilo foi uma conquista, mesmo achando que nunca haveria de se repetir pelo desastre que foi.
Domingo. Fui com meu irmão ver a banda dele tocar. Chego lá e quem encontro? Ele, com mais uma garota, aos beijos. E quando aquela foi embora, chegou outra! Decepção. Fiquei com o baterista da banda para descontar (infantil, eu sei, mas eu tinha uns 13 anos, reconsidere), o L. Ficamos, ficamos, ficamos. E ele me pediu em namoro. Aceitei, ja tinha me apegado a ele. Todo ensaio eu estava lá, e o F com aquela cara de tacho. Os acompanhava nos shows, era meio roadie ás vezes... e quando eu estava super apaixonadinha, no 3º mês de namoro, ele me traiu e terminei com ele.
O F voltou. Queria uma chance. Disse que havia mudado e fez aquele bendito discurso de homem com o rabinho entre as pernas. A boba cedeu. Terminávamos a cada 1 mês. Ele não era o tipo de cara que levava algo á sério. E eu não era o tipo de garota que levava na brincadeira. Nesse vai e vem, depois de 1 ano e pouco, cansada de tudo, comecei uma D.R. tensa pela net porque ele estava me faltando com o respeito e acabou. Entrei em depressão, quem me segurou nessa fase foi a Camila, minha melhor amiga. Ela me deu até banho. Eu deitava no sofá, abraçava minha cadelinha Azeitona e chorava litros d'água. Não comia, não tirava o pijama e mal falava... Minha psicóloga abriu meus olhos e me deu todas as ferramentas para esquecê-lo.
E esqueci. Ele voltou atrás várias vezes e eu conseguia, mesmo sem saber como, negar.
Mas não foi amor, nunca fui amor. Ainda não sei definir ao certo o que senti por ele, mas algo me diz que essa depressão veio devido minha primeira frustação e perda. Mas amor tenho certeza que não.
Certo dia na praça, conheci o C e o outro R indo comprar bala de goma (da branca e rosa). Começamos a conversar no banco em frente ao coreto, que atualmente não existe mais. Eu disse que era um jacaré, porque sou, e homens eram todos cachorros, porque são. Nem conto á vocês a impressão que tiveram de mim, mas tudo bem. Até hoje ninguém sabe o motivo dessas denominações, só posso dizer que é uma teoria muito complexa minha em relação aos humanos. Prometi contar ao R na nossa lua de mel em Seattle. Mas isso eu explico detalhadamente depois.
Encontrei com o R de novo no CID, voltamos juntos de lá falando sobre animê. Algumas semanas após, o encontrei na praça com outras pessoas. Peguei o msn dele. E vi que ele tinha namorada. Fail. Mas o adicionei e começamos a conversar, ele seria um ótimo amigo, pois a personalidade misteriosa, alegre e inteligente dele me atraia, até demais. Começamos a nos falar no msn em código quando a namorada dele estava presente. Ele era o Light e eu era o Raito. Fingíamos conversar sobre Death Note.
Fui um dia ver ele dançar PUMP e ele disse que não estava mais namorando. Meus olhos brilharam. O assunto no msn mudou. Ele disse que iria me buscar na escola em cima de um cavalo branco escrito emo na bunda (risos). O que era impossível não só pela história em si como por eu sair mais cedo da escola que ele.
Outro dia na praça, comprei umas pulseirinhas pretas que pareciam elástico (que hoje em dia são chamadas de pulseiras do sexo, idiota extremo quem inventou isso, pois eu usava há muito tempo e nunca teve esse sign ridículo, desabafei.) e dei uma á ele dizendo que era nossa aliança. No mesmo dia, mais tarde, no msn, ele me pediu em casamento, eu aceitei e disse: agora só falta o beijo para selar o matrimônio. Precisava tirar proveito da situação.
No dia seguinte fui encontrá-lo na saída da escola dele. Ele me levou até em casa e minha Avó linda e maravilhosa, com óculos escuro e a bengalinha na mão, acompanhada da Elvanir estava saindo e disse: Desce logo que seu Avô está te esperando para comer Macarrão.
Devido a isso não pude ficar muito e ele também tinha que ir na aula de Para Para. Ao nos despedir ele perguntou se iria ganhar o beijo, eu fiquei super sem graça e disse que não sabia pois não era uma garota de atitudes (mal sabia ele)... nisso ele me olhou seriamente e SMACK! foi o melhor beijo da minha vida. Morrendo de vergonha (raridade) eu disse com as poucas palavras que sairam: Não pensa nisso. E saí esvoaçante.
Desci o barranco de casa correndo, cumprimentei meu Vô e entrei no banheiro. Me olhava no espelho e ria, ria, ria. E sempre a mesma pergunta estampada no rosto. Eu não acreditava que aquilo havia acontecido. Eu era muito intensa, muito sonhadora, qualquer brilho no céu para mim era a lua. Não entrava na minha cabeça o que o fez se interessar por mim. Eu sempre me perguntava isso quando ficava com alguém especial.
Mas quando a esmola é grande, o santo desconfia.
Hoje acordei pensando em tudo. O que seria esse tudo? Não sei. Só sei que penso nisso, mesmo sendo nada. Se é que me entendem.
Cresci rodeada de valores e princípios, dos mais banais aos mais fundamentais. E desde pequena os segui à risca. Mas parece que agora que era para eu estar ainda mais madura e os seguindo ainda mais à risca, estou os deixando passar. Talvez por pressão demais no passado: faça isso, seja isso, quero isso, quero aquilo, isso está errado então faça de novo, está certo mas pode melhorar... Se tiro três numa matéria escolar, fico de castigo, levo bronca e todos olham torto para mim. Se tiro oito, posso melhorar. Se tiro nota dez, não fiz mais que a minha obrigação. Isso desgasta, cansa, desmotiva. Quanto custa um elogio? Eu pago por um. Só me fale o valor.
Atualmente nado contra a conterreza. Quero ser a melhor, para não precisar ouvir ninguém me elogiando. Quero me reconhecer, reconhecer por inteiro. Gritar meu mérito para o mundo e mostrar para todos os que não acreditaram em mim e me zombaram, que eu sou capaz de ir além de qualquer perspectiva humana.
Poucas garotas de dezesseis anos hoje fazem o que faço. Ou elas já estão com um filho de dois anos para cuidar, ou preocupadas com o baile funk de sexta, ou procurando na loja uma calça de três números a menos que o manequim delas. Eu sou o oposto, não quero um namorado, não tenho filhos, não estou grávida e não pretendo ser mãe tão cedo. Não sou santa, pois nesse mundo é raro encontrar alguém com uns quatorze anos "pura", mas tenho juízo, pode não ser o que minha mãe gostaria que eu tivesse, mas eu tenho, tanto que passei dos quatorze sem me preocupar com fraldas.
Eu estudo no período da manhã, faço o ensino médio. Trabalho no Fórum da Comarca de Embu. É um lugar maravilhoso. Primeiro emprego abençoado, por mim, só sairia de lá daqui uns cinco ou dez anos, mas infelizmente meu contrato acaba daqui há alguns meses. No Fórum fico cada vez mais instruída, pois todos os dias eu aprendo algo. Tanto na minha vida pessoal, como na profissional. Atendo Promotores, Advogados, Policiais, Guardas, Juízes... não atendo balcão de loja. Não estou desvalorizando quem trabalha nessa área, mas para um primeiro emprego lidando com esse tipo de gente é para se sentir honrada. Fora as leis, sentenças, o sistema interno e externo, artigos, processos, inquéritos e afins que ocorrem diariamente lá e eu posso visualizar para aprender. Quem sabe não sou eu amanhã advogando, representando o Ministério Público ou na cadeira da Juíza fazendo sentença.
É um ambiente complicado para trabalhar, é bem pesado em questões emocionais, onde eu nunca fui muito equilibrada apesar de demonstrar o contrário, mas confesso que já me acostumei. Inicialmente eu me trancava no banheiro e chorava de soluçar, doía demais presenciar cenas como mães desamparadas chorando e gritando de desespero. Na mente a lição e a esperança, no coração a dúvida e a ausência. Enquanto seu filho dissertava sobre o que ocorrido ela era engolida pela vergonha, sua cabeça balançava por não se conformar com tais palavras, o lenço já não secava suas lágrimas, as mãos já eram frágeis a ponto de não controlar a inquietação... mas quando ele era levado de volta para a carceragem, grampeado ou com as mãos apenas cruzadas e cabeça baixa, parecia ir embora toda a sua vergonha e o único, ou o maior sentimento que permanecia intacto e se deixava transparecer pela face era a incerteza. De modo subjetivo, a incerteza. Incerteza do futuro dele, do futuro dela, do futuro de pessoas ligadas aos dois. A vergonha? Se ocultou diante de tantos pontos de interrogação. Anunciada as medidas aplicadas à ele, a mão parece tirar forças do além para agarrar aquele lenço já se despedaçando de tão molhado. Centenas de perguntas aparecem. O mundo de cada mulher que senta naquela cadeira parece acabar ali. Não tenho um pingo de pena desses menores que cometem atos infracionais, mas das mães... não sei explicar ao certo, mas dói mais em mim do que neles por elas. Eu me sinto mãe e filha nessas horas. Imagino a minha sentada naquela cadeira e todas essas sensações sendo sentidas por ela. Deus me livre! Não desejo isso para ninguém. Mas é aquela coisa, só roubando para saber o que é roubar, só se drogando para saber o que é se drgar, só engravidando para se sentir gestante, só preso para saber o que é liberdade. E é por isso que falar nesse momento para mim é até fácil, mas acontece que eu não sou como todas as pessoas. Porém, deixa isso para depois.
No período noturno, estou cursando o Técnico em Contabilidade. São três semestres e é puxado demais. Faço parte da primeira turma do processo seletivo da Etec de Embu. Chegamos lá no primeiro dia com as cadeiras e carteiras praticamente ainda embaladas no papelão, não tínhamos lixeira nas salas de aula e jogávamos o papel higiênico que utilzávamos nos banheiros em sacos plásticos no chão. Nossa lousa chegou após mais ou menos um mês de aula. Imaginem o professor de matemática financeira ditando seus exercícios? Pois é, foi uma situação demasiadamente precária, mas creio que daqui dezoito meses valerá a pena o esforço. Nessa época fiquei analisando a situação e pensando: qual a magnitude em ser a primeira turma da etec, se nos faltavam todos os recursos necessários para ter uma aula produtiva? Sorte de quem viria depois, pois teriam tudo mastigado. Sempre nos diziam: Não é isso que conta, as primeiras turmas, os primeiros alunos é que farão a diferença, não vão querer saber das próximas e sim dos que abriram aquela escola técnica. Isso até que nos deu um pouco de alegria. Mas fomos os mais *** em relação a tudo la dentro. Nem cantina oficial tínhamos! Ainda bem que um casal vendia lanche para nós na portaria e um tempinho após uma moça pôde usar a cantina. Todo o esforço que fazíamos, todo o sono que combatíamos diariamente, compensou essa colocação? Nós estudamos, pagamos a prova, passamos, chegamos lá cheios de esperança nos olhos, que saíram com lágrimas. Tínhamos um data show emprestado, uma diretora emprestada, faltavam professores... que consideração aqueles quarenta alunos (me incluindo) de cada turma estavam tendo? Abriram para quê aquela escola? Porque era época de eleição? Puxa, então somos parte de um marketing fake?
Isso me machucou todos os dias e fez o sono vencer a força de vontade. Nos primeiros dias eu o segurava de todas as maneiras possíveis e impossíveis, e em casa caía na cama. Duas semanas depois, cochilava alguns minutinhos em cada aula. Chegava num ponto que meus olhos ardiam e se fechavam, era algo meticulosamente automático. E será que era só o puro cansaço?...
Ainda bem que passou. Mas foi uma fase complicada e para os males de alguns, liberei meu lado maçante, fastidioso e altamente crítico.
Conclui o primeiro módulo de um curso de Gestão Administrativa aos sábado pelo Teletec das sete da manhã ao meio-dia e vinte. Talvez terá o segundo módulo. Eu espero que tenha. Mesmo desejando profundamente voltar a dormir até mais tarde aos sábados enquanto fazia o curso, quero continuar, pois fará uma vasta diferença futura em minha vida.
Por hoje, é só. Uma grande - pequena introdução da minha rotina, da vida, do que faço. Posteriormente irei falando mais sobre tudo isso. Principalmente sobre o R. Vocês o conhecerão bem daqui um tempo. É só me acompanhar.